quarta-feira, 9 de março de 2011

A COBRA

Já era rotina. Aos domingos pela manhã, saíamos todos para a roça apanhar frutas, principalmente melancia. Fazíamos um bom estoque e retornávamos.
Após o almoço reuníamos com o pessoal do sítio vizinho e todos se encaminhavam para o ribeirão, onde meus irmãos tinham limpado uma grande área e que nós a chamávamos de “nosso banheiro”.
Nossos amigos eram de uma família recém chegada do Ceará, tinham nomes engraçados para nós e um dialeto bem característico. Era composta por vários integrantes, o senhor Chicutó e mais dois que acho, eram irmãos, Goiabeira e Damião, além dos filhos, Adé, Pitanga, Tinho, Val... Do nosso lado, a família era maior ainda, em ordem decrescente tínhamos: Paulo, Dé, Tião, Chico, Silvestre, Elias, Nego e Eu.
Nossa diversão no ribeirão se resumia em três brincadeiras principais: “feda”, termo originário provavelmente do Sul de Minas Gerais, visto que meus pais vieram de lá, mas que há muito se perdeu no tempo e que aqui foi substituído por “barata” ou “pega-pega”; a outra era feita com cascas de melancia e consistia em duas turmas a arremessar pedaços sobre a lâmina d’água a fim de atingir o adversário situado abaixo ou acima do rio numa distância pré-determinada; e a terceira era o “cangapé”, uma espécie de capoeira dentro da água e que necessita de muito treino e habilidade, no qual Damião, Goiabeira, Tião, Chico e Elias eram especialistas.
Essas brincadeiras, devo lembrar, era para os grandes, porque os pequenos ficavam ora numa área rasa que tinha na margem esquerda e que para isso tinham que ser levadas pelos grandes, ou então, ficavam junto a um galho que debruçava sobre o ribeirão na margem direita e que servia de ponto de apoio, e nessa turma estava incluída, de um lado eu e o Nego e do outro, Tinho e Val.
Certo domingo, estávamos todos a divertir quando de repente o Tião percebe a presença de uma enorme cobra no nosso “banheiro”, vindo em minha direção. Ele gritou:
— Cuidado crianças! Olha a cobra!
Meus companheiros já bem maiores que eu, conseguiram sair da água com rapidez, mas eu, não conseguia, enquanto isso, a cobra se aproximava. Então, o Dé ou o Goiabeira, não me recordo ao certo, correu até onde eu estava e agarrando-me pelo braço, arrancou da água até com uma certa violência, livrando-me de ser picado.
A partir desse dia, todas as vezes que íamos para o ribeirão, lá chegando, deparávamos com a tal cobra. Muitas vezes aguardávamos que ela fosse embora, para dar início as nossas brincadeiras, outras vezes, porém, ela insistia em permanecer na área por muito tempo e acabava atrapalhando nossos planos. Isso se prolongou por vários domingos, até que um dia, Damião, cheio de ódio pelo ofídio resolveu:
— Se aquela peçonhenta tiver no nosso banheiro hoje, vou dar um jeito nela.
— E Cuma é que vai sê? Perguntou Goiabeira.
Tu vai ver só. Essa cobra num ta cá mulesta.
Dito e feito, quando todos estavam preparado para mergulhar, lá estava a peçonhenta, tranquilamente a nadar de um lado para o outro, ziguezagueando em nosso “banheiro” e nada de sair.
Damião olhou de um lado para o outro, resmungou algumas palavras que até hoje eu não sei se eram impropérios contra a danada ou alguma oração, só sei que após o término ele pediu:
— Goabera, pegue o fumo que está no bolso de minha calça. Ligero home!
— Que tu vai fazê?
— Vou insiná pr’essa peçonhenta quem manda aqui, si eu, ou ela.
Dizendo isso, Damião arrancou um naco de fumo com os dentes e pôs a mascar, em seguida, deu umas cusparadas dentro do ribeirão sobre a cobra e “tchibumm”, pulou na água e começou uma série de cangapé.
No embalo, os outros foram atrás e o que se viu foi um verdadeiro espetáculo para nossos olhos de criança. Um verdadeiro balé dentro d’água. Era perna que subia e descia, numa sequência e numa sincronia fantástica. Passado alguns minutos, todos exaustos fizeram uma pausa para descansar e apreciar a obra.
Até hoje ainda não sei se foi a oração do Damião, o fumo que ele cuspiu na água, a série de cangapé, ou tudo isso junto que espantou a cobra, o fato, é que ela nunca mais apareceu ali.

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