domingo, 10 de julho de 2011

O BÊBADO NA CASA DE ORAÇÃO

O cachaceiro é uma figura que a gente encontra em qualquer lugar do mundo, não importa o tamanho da cidade, grande ou pequena, lá está ele, nos botecos da vida, nas festas da comunidade, nos velórios e, acreditem, até nas igrejas.
Numa cidade pequena como a minha Diamante do Norte então, essas figuras ficam em maior evidência. Aqui temos pelo menos três pinguços tradicionais, que por uma questão de ética, evidentemente não vou nomeá-los, mas, um caso em especial merece registro.
Contam a boca pequena que certa manhã, em pleno culto dominical em uma das muitas igrejas evangélicas da cidade, o pastor fazia sua pregação, e em determinado momento eleva a voz e diz:
— Irmãããos, vamos orar com fé, pois Cristo virá...
Nisso é interrompido por uma voz na porta da igreja.
— Vem naaada é minnntira...
Grita um bêbado.
Todos viraram em sua direção, surpresos e incrédulos, afinal, quem ousava desmentir aquele homem cheio de sabedoria, orientador espiritual dos mais acreditados da cidade?
O pastor, do alto de sua sabedoria e com toda a calma, vendo que o porteiro estava tomando as providências necessárias para resolver o problema, retomou seus trabalhos como se nada tivesse acontecido.
— Irmãããos..., como eu estava dizendo, vamos orar com fé, pois Cristo virá nos salvar...
— Veeem nada.... quero vê é vim...!
— Interrompeu mais uma vez o bêbado.
O porteiro, coitado, que geralmente não entende nada sobre psicologia etílica, estava lá se desdobrando para convencer, numa boa, o bebum a se retirar, mais que nada, o bêbado continuava lá a interromper os trabalhos.
Aquele lenga lenga continuou por algum tempo, até que o pastor já não agüentado mais ser interrompido e perdendo de vez a calma, dirigiu-se ao porteiro gritando:
— Irmão, liga de uma vez pro delegado e pede pra ele vir aqui e resolver esse problema.
O bêbado deu uma balançada, pra lá e pra cá, olhou pro porteiro, virou para o pastor e os fiéis e sentenciou:
— Agooora eu vou embooora, porque esse aí que estão chamando veeeem... Esse eu tenho cerrrrteza que vem.
Deu meia volta e saiu cambaleando a procura de um boteco.


= deixe seu comentário, é muito importante=

quinta-feira, 19 de maio de 2011

EUA X JAPÃO – A HISTÓRIA SE REPETE

No dia seis de agosto de 1945, o General Douglas MacArthur lança sobre Iroshima a primeira bomba atômica, destruindo milhares de civis, entre eles crianças e idosos, deixando uma herança radioativa para muitas gerações, numa clara demonstração de poder dos americanos. Estava inaugurada a era atômica.
Esse ato contra a humanidade e especialmente contra o povo japonês (não sei de nenhum desses agentes que passou pelos tribunais de Nuremberg) seguiu a risca os princípios maquiavélicos, onde ele sugere que o conquistador deve exercer todo seu poder de crueldade de uma só vez, pois o tempo se encarrega de apagar essas crueldades à medida que esse novo dominador vai lhe oferecendo algumas benesses em doses homeopáticas, e, em pouco tempo passam a adorá-lo, fato evidente na população jovem japonesa, com seus novos hábitos e costumes americanizados.
No pós-guerra os Estados Unidos fez vários afagos e ajudou o Japão que ele mesmo destruiu a se recompor, com ajuda financeira e transferência de tecnologias, dentre elas, o uso de energia nuclear, tão necessário para que o país pudesse atingir o status de grande potência mundial nas últimas décadas. Claro, não podemos deixar de destacar o trabalho dos japoneses com sua tradicional competência, disciplina e organização.
Sessenta e cinco anos depois, a história se repete, dessa vez sem nenhum ato de prepotência ou de arrogância militar, mas tendo como epicentro da crise, a radiação nuclear novamente, só que dessa vez provocada pelos estragos causados por uma catástrofe natural no reator nuclear de uma usina construída com a tão respeitada tecnologia americana (General Electric).
A grande diferença desses dois momentos históricos é o comportamento humano. No primeiro, além do abandono comum aos derrotados, os heróis foram os que tiraram a vida de milhares de pessoas num ato desumano e desnecessário e neste momento, os heróis são aqueles que estão colocando em risco suas vidas para salvar milhões de pessoas, contando ainda com a solidariedade de outras nações.
Mesmo com a solidariedade e colaboração técnica de vários autores da comunidade mundial, ainda fica uma pergunta. Quantas vítimas da radiação serão contadas desta vez e o que será feito a partir de agora para que isso não ocorra mais?

sexta-feira, 22 de abril de 2011

QUE A SANTA NOS PERDOE

Houve uma época de grande estiagem aqui pras nossas bandas, não lembro ao certo em que ano, só sei que foi na década de 1960. As lavouras começavam a sentir a longa estiagem.

Naquela época o agricultor não tinha a quem recorrer para sair dessas situações desesperadoras como a perda da produção, não tinha os chamados programas de governo (Proagro ou similar), o jeito era apelar para as orações, na esperança de que chovesse a tempo de salvar as plantações, e isso, se fazia através de novenas.

Essas novenas eram rezadas em todos os sítios e em todas as casas, onde o santo ou a santa invocada tinha a imagem transportada pelos fiéis da comunidade, em procissões. Neste caso, se não me engano, era Santa Clara.

Em cada casa que se rezava o terço, era costume servir café com bolinhos de chuva e quitutes caseiros de toda ordem, era na verdade, para as crianças, uma verdadeira festa. Estávamos em todas.

Entre os adultos fiéis sempre tem alguma carola metida a besta que implica com tudo e com todos, principalmente com as crianças, se achando a dona da verdade e ungida pela santa. Nessa, não era diferente, tinha a tal de D. Gina, mulher roliça, de meia idade, sempre puxava a procissão, e graças a essas qualidades, ela conseguiu angariar a antipatia do grupo de meninos, e também dos marmanjos, pois implicava com os namoricos furtivos da rapaziada.

Certo dia, o Chico meu irmão teve uma idéia (daquela cabeça sempre saía alguma coisa). Reuniu a turma e explicou:

— Então pessoal! Que tal sacanear essa véia chata?

— Só se for agora. Qual é o plano? Perguntou o Adé.

— É o seguinte: como ela é muito pra frente, amanhã, durante o terço na casa do Bereta, nós saímos escondidos, vamos até a porteira, passamos merda na tranca e voltamos como se nada tivesse acontecido, quando a procissão prosseguir e ela for abrir a porteira, vai ser uma meleca só.

— Ótima idéia, respondeu o Adé, só que temos que passar nas tábuas da porteira também, pra não ter escapatória, principalmente para aqueles moleques que vão na frente e passam entre elas.

— Combinado então. E vocês molecada, bico calado, ninguém pode saber disso, falou se dirigindo a nós crianças.
E assim foi feito. Durante o terço, todos concentrados na reza, um por um foi escapando de fininho e de repente, todos estavam reunidos na porteira, não se sabe como, mas munidos da matéria-prima necessária para conclusão da obra.

Tudo saiu direitinho, dentro do combinado. Aos poucos, foram voltando um a um sorrateiramente para ninguém perceber nada. Enquanto isso, o terço continuava e todos já de volta, ali com a cara mais santa do mundo como se nada tivesse acontecido.

Terminada a reza, foram servido a todos o tradicional cafezinho e a prosa rolou solta, todo mundo contando as novidades, dentro da maior normalidade do mundo. Os rezadores se despediram do dono da casa e a procissão seguiu viagem, nós acompanhamos como normalmente fazíamos, para não levantar suspeitas, entoando cantos e rezas como de costume, pois, apesar das molecagens, éramos fervorosos fiéis.
Quando a procissão chegou à porteira foi aquela confusão. Dona Gina, pra frente como só ela mesma, meteu a mão na meleca e gritou.

— Quem foi o desgraçado do moleque que passou merda na tranca? Filho da outra... daquela outra... e foi desfiando um rosário de impropérios. Enquanto isso, os moleques mais adiantadinhos também foram passar entre as tábuas e se melaram todos.

Aí sim é que a coisa pegou fogo, foi aquele alvoroço, todo mundo xingando todo mundo e querendo saber quem foram os malditos que fizeram tamanha barbaridade, que aquilo era uma afronta a Santa, que eles iriam para o inferno, que ia acontecer isso, aquilo... enfim, todo tipo de pragas e maldições foram lançadas sobre nossas cabeças.

A confusão foi tanta e disseram tantos impropérios que todas as orações feitas antes, devem ter idas por água abaixo. Enquanto isso, nós nos divertíamos vendo a megera ser motivo de chacota de toda a turma, indo embora de cabeça baixa para casa se livrar do forte odor que impregnava até a alma.

A nossa vingança foi terrível. Vingamos as maldades que ela cometia contra nós crianças e ainda livramos o grupo de sua indesejável presença na novena, pois, a partir desse dia, ela nunca mais apareceu nos terços.

terça-feira, 15 de março de 2011

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Neste oito de março, além do carnaval, expressão máxima da cultura popular brasileira, comemora-se também o dia internacional da mulher e sua evolução no contexto social. Portanto, não poderia deixar essa data em branco, afinal, o que seria do mundo e do nosso carnaval sem as mulheres? Mas, não vou enveredar aqui pelos campos da poesia, isso deixo para os poetas, pretendo apenas chamar atenção para alguns fatos históricos envolvendo as mulheres.
O movimento feminista, com origem no século XVIII na Europa Ocidental com o advento da Revolução Industrial, só foi possível graças ao fenômeno do Iluminismo, base para a ascensão do capitalismo. Cabe observar que lutadoras do movimento feminista como Mary W. Montagu e a Marquesa de Condorcet notadamente faziam parte da alta burguesia, portanto, detentoras do capital. No Brasil, o primeiro nome a se destacar nessa linha de pensamento é Nísia Floresta Augusta, que atuou como educadora, tradutora, poetisa e que viveu boa parte de sua vida na Europa, também pertencente à burguesia brasileira.
Com a expansão do capitalismo e o surgimento do proletariado, nasce outra expressão política, o Socialismo ou os chamados partidos de esquerda que necessitam de colaboradores para aumentar suas fileiras e ao mesmo tempo abre espaço para as reivindicações femininas, como o direito ao voto, e que naturalmente ia de encontro aos anseios dessa nova expressão política.
Hoje se celebra com tanto orgulho as conquistas das mulheres como: independência financeira e o direito de trabalhar fora, liberdade sexual e assim por diante.
Mas que conquistas são essas?
Veja bem, a mulher conquistou o direito de trabalhar mais, ou seja, trabalha fora e ainda trabalha em casa, salvo algumas exceções, o salário que ganha tem que repartir com a empregada, não sobra tempo nem para acompanhar o crescimento dos filhos. A tal liberdade sexual não passa de utopia, pois a própria sociedade assim o determina. Alegam que a introdução de anticoncepcionais foi uma conquista do feminismo. Ora! Isso foi apenas a evolução das ciências médicas e a exigência dos países desenvolvidos, preocupados com o aumento da população mundial.
Outra coisa que podemos observar é o preconceito de classes. No Brasil, por exemplo, Leila Diniz foi um símbolo da liberdade sexual, mas, isso só ocorreu por ela integrar a elite, os jornais e suas colunas sociais flertavam com suas extravagâncias constantemente, se Leila Diniz pertencesse à classes sociais inferiores, seria apenas mais uma “vadia” da Orla Carioca.
Na verdade, a mulher foi apenas um elemento utilizado pelo capitalismo para manipulação das massas na ânsia de auferir cada vez mais lucros aos detentores dos meios de produção, e essas grandes mulheres contribuíram e muito para que isso acontecesse, não sei se de forma consciente, mas contribuíram.
A grande conquista foi do sistema capitalista. Analise comigo: quando as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho recebiam apenas o equivalente a um terço dos salários destinados aos homens porque os burgueses alegavam que elas tinham quem as sustentasse, ou seja, se o homem ganhasse 100,00 reais ela ganharia em torno de 35,00 reais. Por outro lado, como a demanda por postos de trabalhos aumentou, verificou-se a redução de um terço dos salários oferecidos aos homens, isto é, o homem passou a ganhar em torno de 65 reais. Moral da história: o sistema passou a contar com duas mãos-de-obra pagando apenas um salário 65,00 + 35,00 = 100,00 reais.
Isso nos leva a concluir que essas supostas conquistas são apenas artimanhas do sistema para manter bem lubrificada a máquina do lucro com o aumento do consumo. E, em nome do desenvolvimento da sociedade humana, o que vemos hoje, são mulheres e homens reféns do capital em detrimento da estrutura familiar, o que contribui efetivamente com o aumento da violência e a falta de perspectivas de um futuro melhor.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A COBRA

Já era rotina. Aos domingos pela manhã, saíamos todos para a roça apanhar frutas, principalmente melancia. Fazíamos um bom estoque e retornávamos.
Após o almoço reuníamos com o pessoal do sítio vizinho e todos se encaminhavam para o ribeirão, onde meus irmãos tinham limpado uma grande área e que nós a chamávamos de “nosso banheiro”.
Nossos amigos eram de uma família recém chegada do Ceará, tinham nomes engraçados para nós e um dialeto bem característico. Era composta por vários integrantes, o senhor Chicutó e mais dois que acho, eram irmãos, Goiabeira e Damião, além dos filhos, Adé, Pitanga, Tinho, Val... Do nosso lado, a família era maior ainda, em ordem decrescente tínhamos: Paulo, Dé, Tião, Chico, Silvestre, Elias, Nego e Eu.
Nossa diversão no ribeirão se resumia em três brincadeiras principais: “feda”, termo originário provavelmente do Sul de Minas Gerais, visto que meus pais vieram de lá, mas que há muito se perdeu no tempo e que aqui foi substituído por “barata” ou “pega-pega”; a outra era feita com cascas de melancia e consistia em duas turmas a arremessar pedaços sobre a lâmina d’água a fim de atingir o adversário situado abaixo ou acima do rio numa distância pré-determinada; e a terceira era o “cangapé”, uma espécie de capoeira dentro da água e que necessita de muito treino e habilidade, no qual Damião, Goiabeira, Tião, Chico e Elias eram especialistas.
Essas brincadeiras, devo lembrar, era para os grandes, porque os pequenos ficavam ora numa área rasa que tinha na margem esquerda e que para isso tinham que ser levadas pelos grandes, ou então, ficavam junto a um galho que debruçava sobre o ribeirão na margem direita e que servia de ponto de apoio, e nessa turma estava incluída, de um lado eu e o Nego e do outro, Tinho e Val.
Certo domingo, estávamos todos a divertir quando de repente o Tião percebe a presença de uma enorme cobra no nosso “banheiro”, vindo em minha direção. Ele gritou:
— Cuidado crianças! Olha a cobra!
Meus companheiros já bem maiores que eu, conseguiram sair da água com rapidez, mas eu, não conseguia, enquanto isso, a cobra se aproximava. Então, o Dé ou o Goiabeira, não me recordo ao certo, correu até onde eu estava e agarrando-me pelo braço, arrancou da água até com uma certa violência, livrando-me de ser picado.
A partir desse dia, todas as vezes que íamos para o ribeirão, lá chegando, deparávamos com a tal cobra. Muitas vezes aguardávamos que ela fosse embora, para dar início as nossas brincadeiras, outras vezes, porém, ela insistia em permanecer na área por muito tempo e acabava atrapalhando nossos planos. Isso se prolongou por vários domingos, até que um dia, Damião, cheio de ódio pelo ofídio resolveu:
— Se aquela peçonhenta tiver no nosso banheiro hoje, vou dar um jeito nela.
— E Cuma é que vai sê? Perguntou Goiabeira.
Tu vai ver só. Essa cobra num ta cá mulesta.
Dito e feito, quando todos estavam preparado para mergulhar, lá estava a peçonhenta, tranquilamente a nadar de um lado para o outro, ziguezagueando em nosso “banheiro” e nada de sair.
Damião olhou de um lado para o outro, resmungou algumas palavras que até hoje eu não sei se eram impropérios contra a danada ou alguma oração, só sei que após o término ele pediu:
— Goabera, pegue o fumo que está no bolso de minha calça. Ligero home!
— Que tu vai fazê?
— Vou insiná pr’essa peçonhenta quem manda aqui, si eu, ou ela.
Dizendo isso, Damião arrancou um naco de fumo com os dentes e pôs a mascar, em seguida, deu umas cusparadas dentro do ribeirão sobre a cobra e “tchibumm”, pulou na água e começou uma série de cangapé.
No embalo, os outros foram atrás e o que se viu foi um verdadeiro espetáculo para nossos olhos de criança. Um verdadeiro balé dentro d’água. Era perna que subia e descia, numa sequência e numa sincronia fantástica. Passado alguns minutos, todos exaustos fizeram uma pausa para descansar e apreciar a obra.
Até hoje ainda não sei se foi a oração do Damião, o fumo que ele cuspiu na água, a série de cangapé, ou tudo isso junto que espantou a cobra, o fato, é que ela nunca mais apareceu ali.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O DELEGADO DO REGO TORTO


Na primeira metade da década de 1960, uma pequena cidade do noroeste do Paraná, bem ali, na divisa com o Estado de São Paulo e a um pulinho de Mato Grosso do Sul, torna-se município, elegem o primeiro prefeito e a vida segue seu curso natural, sempre pacata e sem maiores transtornos.

Algum tempo depois, vagou no município, o posto de delegado. Como era comum pra época, o prefeito, autoridade máxima, nomeava um dos cidadãos para assumir o cargo. Geralmente, era alguém alinhado aos seus pensamentos políticos, e que impunha algum respeito perante a sociedade. Era os chamados delegados "calça curta".

Nesses termos, foi escolhido para assumir a difícil tarefa de impor a ordem e a paz, o sapateiro da cidade, renomado artesão do couro, homem simples, mas muito justo e sábio, dentro de suas limitações.

O delegado, em sua simplicidade, gostava de usar as calças com o cós repuxado de um lado, o que lhe rendeu de cara a alcunha de “Delegado do rego torto”.

Alguns dos amigos mais próximos, ou, supostamente amigos, para vê-lo furioso, gritavam o apelido quando ele passava e isso o deixava transtornado. Mas, apesar desses pequenos problemas ele conduzia com muita dignidade e competência, a tarefa que lhe fora imposta.

“Delegado do rego torto” fez história, e essa que passo a narrar, foi-me contada por um de seus filhos, o que nem por isso confirma a veracidade, visto que também lhe foi contada por pessoas que supostamente presenciou a cena.

Segundo o relato, numa manhã de segunda-feira como outra qualquer, sem nenhuma novidade para uma pacata cidade do interior, estava “Rego torto” a preencher o tedioso relatório semanal, quando adentra no recinto um cidadão furioso, trazendo consigo sua filha, por sinal, uma bela morena de olhos grandes e amendoados, com uma vasta cabeleira negra moldurando seu lindo rosto, e vai logo intimando o delegado.

— Doutor! O senhor precisa tomar uma atitude.

“Rego torto”, tomado de surpresa, surpreendeu mais ainda com sua aparente calma para conduzir o caso.
— Calma, homem de Deus! Sente-se aí e conte-me o que aconteceu?
— Doutor, é aquele filho da p.... do Tiburcio. Outro dia desses chegou com uma mão na frente outra atrás, sem lenço nem documento, o que fiz? Dei-lhe abrigo, comida, e um trabalho digno. Sabe o que ele me fez como recompensa? Fez “mal” pra minha filha.
Com ar de ingenuidade “Rego torto” perguntou:
— Como assim! Fez mal?
— Desonrou ela. O senhor tem que meter ele no xilindró e dar-lhe uma boa cossa que é pra aprender a não desonrar filha dos outros.
— Ah! Desonrou... Foi á força então? Perguntou olhando para a moça, o que ela negou com a cabeça.
— Não foi à força. Mais isso não importa, o senhor vai prender ele ou não vai?
O delegado refletiu por mais alguns minutos, quando finalmente decidiu:
— Sargento! Chamou.
— Pois não, delegado?
— Traga-me um copo.
O sargento, entre surpreso e curioso para ver o desfecho, imediatamente obedeceu. Chegando o copo, o delegado o segurou sobre a mesa e ordenou:
— Coloque o dedo aqui dentro. Indicou o copo.
O pai, homem simples, obedeceu, meteu o dedo, ou quase, porque o delegado desviou o copo para um dos lados.
O processo se repetiu por várias vezes sem o homem conseguir colocar o dedo dentro do copo, pois o delegado desviava ora para um lado ora para outro. Sem conseguir, reclamou:
— Como que eu vou colocar o dedo se o senhor tira o copo?
Depois de uma pequena pausa e diante dos olhos estupefatos dos ali presentes, deu sua palavra final:
— Tá vendo, se sua filha não quisesse e tivesse feito o que eu fiz com o copo, nada disso teria acontecido. Volte para casa e resolva seu problema, porque eu tenho problemas mais importantes para resolver. Passar bem. Sargento! Acompanhe esse senhor até a porta.

sábado, 15 de janeiro de 2011

CONTOS E CAUSOS

COISAS DO 'DESERTO'

Sempre que conto este causo, meus amigos dão muita risada e depois ficam tirando onda comigo, dizendo que é mentira ou coisa do gênero, mas, como eles sempre pedem bis, resolvi escrever essa história que é mais ou menos assim...

Eu tinha um cachorro que se chamava Deserto.

Era um cachorro muito especial. Ele demonstrava alegria fora do comum quando um de nós retornava para casa. Cachorro paquero, só no nome, pois como caçador era um desastre. Na verdade ele não tinha uma raça bem definida, parecia-se com um bassê, ou era um bassê, sei lá! Só sei que era comprido, baixinho e de orelhas enormes, iguais aqueles de uma certa propaganda de amortecedores. Talvez, um pouco maior.
Como disse antes, para caçar era um desastre, medroso, preguiçoso, porem, muito querido, era do tipo que, quando ia bater nele, ao invés de correr, deitava de costa, abria as pernas e a boca numa gritaria danada.

No ano de 1968, com apenas sete anos, numa bela noite de verão, depois de muito esforço para convencer minha mãe de que eu já tinha condições de participar de uma caçada de tatu, resolvemos organizar uma: eu, o Dé, Chico, Nego,Elias e Tião. Cada um tinha uma função mais ou menos definida no grupo. Eu, por exemplo, tinha a função de iluminar, com a lamparina caso encontrasse alguma toca e fosse necessário cavar, já que não tinha condições físicas para exercer outra atividade.

Nossa propriedade, um pequeno sítio de dez alqueires ficava à margem esquerda do ribeirão do Corvo, Noroeste do Paraná. Tinha um capão de mato, (reserva) de floresta original, com caça em abundância e sem as chamadas leis de proteção à Fauna e a Flora, onde costumávamos caçar.

O Dé, como o mais velho e, portanto, no comando, distribuiu as tarefas:

— Elias, você e o Chico peguem os cachorros e vão na frente que eu e os meninos vamos ajeitar as ferramentas (facão, foice, enxadão etc.) e iremos a seguir.

— Está bem! Disse o Elias, mas eu não vou levar o Deserto. Ele só atrapalha.

— Leva sim, vai que precisa ajudar a cavar e o Guarani (cachorro caçador) sozinho pode cansar.

— Está bem! Vamos levar então.

Partiram, e com poucos minutos, já ouvimos latidos do Guarani que já tinha acuado um tatu. Corremos para lá.
Chegando lá, só vimos terra vermelha que subia e o Guarani, cachorro valente como poucos, ia arrancando até pequenas raízes com os dentes, na ânsia de capturar a caça, mas, como a toca era no pé de uma enorme peroba rosa e não dava para ajudar com os enxadões, o jeito foi deixar o cachorro fazer o serviço. Claro que depois de alguns minutos, como era de se esperar, o Guarani demonstrou cansaço.

Foi então que o Dé teve a brilhante idéia de tirar o Guarani e colocar o Deserto para cavar um pouco, afinal, ele tinha ido para isso.

— Chico, tire o Guarani do buraco para ele descansar, enquanto coloco o Deserto para cavar um pouco.

— Só se os meninos me ajudar, porque não vai ser fácil tirar ele do buraco, tem que tirar a força e ficar segurando (cachorro valente).E assim foi feito.

O Dé introduziu o Deserto no buraco, para dar sequência na escavação. Foi nesse momento que o bicho demonstrou toda sua qualidade preguiçosa:
— Snif, snif, frull... au... au... frull... au... au...

Ele dava umas farejadas, emitia um som característico e umas latidas abafadas e nada de cavar. E nós incentivando-o. Pega! Deserto. Pega!...

Ele, depois de várias farejadas e muitos latidos, resolveu cavar. Claro, dentro do seu estilo.
Escorou o corpo sobre a pata esquerda e começou cavar com a direita, com algumas pausas para farejar novamente e tornar a latir.

— Snif, snif, frull... au... au... frull... au... au...

O Dé, nessas alturas já começava a ficar furioso. O Chico, bastante gozador, começou a provocar:

—Nós falamos para deixar essa tranqueira em casa que ele só atrapalhava! Agora toma! Acho é pouco.

O Dé, coitado, resolveu dar mais uma incentivada no cão.

— Vamos Deserto, Pega! Pega!...

Que nada, o Deserto continuou na mesma batida, ele apenas trocou de lado e começou a cavar com a pata esquerda.

Isso foi demais. O Dé pegou ele pelo rabo, girou umas duas vezes sobre a cabeça e o atirou numa moita de arranha gato próxima.

Ele fez o escândalo que lhe era peculiar e sumiu para casa, chorando e todo arranhado.
A caçada parou por aí. Apesar do Guarani ter tirado o tatu, voltamos um pouco frustrados.

Quando chegamos em casa, o Deserto já estava nos esperando, saltando e abanando o rabo com a maior alegria do mundo, como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

GERAÇÃO SANDUÍCHE

Numa dessas reuniões de final de tarde, estavam meus amigos e eu a tratar de diversos assuntos peculiares a esses encontros, quando surgiu um que chamou minha atenção em especial.
Começamos a falar sobre a nossa geração, de nossos pais e de nossos filhos, num saudosismo evidente e compreensível, quando um amigo disse:
— Quer saber de uma coisa? Nós somos da “geração sanduíche”.
Entre a dúvida e a surpresa, questionei. Como assim, “geração sanduíche”?
— Veja bem, ele respondeu. Somos do tempo em que a palavra do pai era sinônimo de respeito, desobedecer era algo impensável, quando isso acontecia, na maioria das vezes era uma tremenda “surra” ou, na melhor das hipóteses um belo sermão que deixava a gente mais dolorido que a própria surra. Era um misto de respeito e medo. Mas hoje, com medo de repetir a forma rígida, e as vezes com dureza excessiva com que fomos criados e, querendo ser melhor para nossos filhos do que eles foram , acabamos nos perdendo em algum ponto da história e nos deixando levar por um caminho sem volta, onde nossos filhos, além de não nos obedecer, na maioria dos casos, desconhecem a palavra respeito. Medo então, nem pensar, nós é que temos medo deles.
Fui pra casa, comecei a refletir sobre o assunto e cheguei a seguinte conclusão: apesar das adversidades, da dureza e muitas vezes do uso de certa violência na nossa educação, descobri que essa forma foi muito eficaz, fez mais bem que mal para nossa geração, afinal, sobrevivemos e estamos aqui hoje para contar a história, com caráter formado e sólido.
Já a geração de nossos filhos, o futuro é incerto, pois a estrutura familiar se desmoronou, os filhos não têm respeito nem medo dos pais, não respeita os mais velhos e pouco ou quase nada seus professores, estão mais expostos às drogas e a violência, parece que não têm perspectivas na vida.
A relação pais e filhos não têm mais aquele respeito, mesmo que um pouco forçado da nossa geração. Aliás, tem só que ao contrário, nós fazemos o que nossos filhos querem, são eles quem manda em nós.
Moral da História... Obedecemos nossos pais no passado e no presente obedecemos nossos filhos. Não mandamos em ninguém em época nenhuma. Sem dúvida, somos a GERAÇÃO SANDUÍCHE.
Espero estar errado em minha conclusão. Quero, como pai, ser surpreendidos por essa juventude, e torcer para que eles retomem o caminho do respeito as tradições e as gerações passadas, sem perder o ideal de liberdade, acompanhado das evoluções tecnológicas de seu tempo. Afinal, os princípios básicos de ser humano comprometido com o seu tempo e o futuro da humanidade, bem ou mal, foram passados através das gerações.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

CONTOS E CAUSOS

MEMÓRIAS DA INFÂNCIA
— Papai, porque paramos aqui?
— É para o papai mostrar onde ele nasceu e passou boa parte da infância. Está vendo aquela enorme moita de bambu do outro lado do rio?
— Sim, estou vendo.
— Pois é, a casa que nasci ficava pertinho dela. Vê aquela árvore a esquerda?
— Sim, é enorme. Que arvore é aquela?
— Uma amoreira. Papai costumava brincar nela. Seus galhos desciam até o chão, eu subia no alto de sua copa e descia escorregando pelos galhos. Já levei algumas surras da vovó por sujar a roupa com a tinta das amoras.
— Você não tinha videogame para brincar!?
— Não filho. Naquela época não existia nada disso, nem televisão existia ainda nestas redondezas. Quando olho essas terras, começa a desfilar na minha memória os bons e divertidos momentos que passei ali com meus irmãos e com amigos.
— O senhor deve guardar muitas lembranças dessa época...
— Sim, muitas lembranças...
Como poderia esquecer do meu cachorro “deserto”, paqueiro, fino, comprido e de orelhas grandes quase arrastando no chão, que apesar de medroso e preguiçoso, era muito atrevido e amável, tinha pavor de lagarto e tatu, mas, em compensação, era o terror dos gambás que vinham atacar o galinheiro... Da égua “roxinha”, que a Elza comprou e que fui o primeiro a montá-la e também o primeiro a descobrir que era “bardosa”, caindo alguns tombos no chão duro do carreador do sítio... Das tardes de domingos que passava nadando no ribeirão junto com os irmãos e amigos e da cobra que teimava em nadar no nosso espaço de lazer, que foi banida à “canga-pés”... Do dia-a-dia com uma lata d’água na cabeça, transportando água da mina para encher a caixa que abastecia a casa... Do dia em que resolveu ser equilibrista sobre a forquilha que suspendia o varal de arame farpado e que ficou pendurado pela cocha por longos minutos até a mãe vir socorrer... Do campinho onde todas as tarde participava das “peladas”... De quando todos se reuniam, inclusive os grandes para brincar de “feda”(esse termo se perdeu no tempo, nunca mais ouvi falar), ou “esconde-esconde”, ou ainda caçar “vagalumes” e ouvir causos de assombração nas noites escuras... Das noites de lua clara quando todos se agrupavam no terreirão para cantar músicas sertanejas e ouvir o Elias tocar violão... Das épocas de secas em que se fazia novena à Santa Clara para chover, onde a Santa era levada de sítio em sítio e de casa em casa, quando saia sorrateiramente durante o terço com os amigos para passar cocô nas porteiras e depois voltar dissimuladamente como se nada tivesse acontecido (a santa que nos perdoe)... Da vez em que escondeu com a Vilma numa moita de capim para assustar o cavaleiro que vinha em nossa direção, pensando ser o irmão, e quando o homem caiu do cavalo, percebeu o erro que tinha cometido e teve que sair correndo para não apanhar do estranho... Da carreira que o Paulo deu no Saci Pererê lá na roça de algodão... De quando estava construindo o terreirão para a secagem de café e do retângulo de argamassa que demorou mais de vinte e cinco dias para secar (mistério)... Da caçada de nhambu no capoeirão com o Elias em que munidos com uma espingarda não trouxe nada e o Dé, com um bodoque, voltou com o picuá cheio... Dos passeios à cavalo aos domingos pelos sítios da redondeza em busca de frutas... Das obrigações que aos pequenos eram impostas, tais como: levar almoço na roça, colher mamão, abóbora, mandioca e toda sorte de forragem para tratar dos porcos, dar milho para as galinhas, fazer a coleta dos ovos e depois ir para a escola... Das carreiras que levou da vaca “chitinha” a caminho da escola... Da vontade que tinha de ter uma lancheira recheada todos os dias... Das brincadeiras de “bisteca deixa cai no chão não se mexa”... Das vezes que ficava de joelho na frente da sala durante bom tempo da aula, castigo imposto pelo professor, devido a alguma traquinagem que tinha cometido... Dos amores da infância... Das lutas corpo a corpo que sempre acabavam em brigas... Das festas de casamento onde os comes e bebes eram a base de frango e macarrão, regados a vinho e guaraná e embalados ao som de uma sanfona, um violão e um pandeiro... Das vezes em que papai matava um “capado”, aliás, eram sempre dois, um, para o consumo da casa e o outro para repartir com os vizinhos... Das muitas vezes em que papai chegava da roça, pegava o caniço e ia ao ribeirão “buscar mistura”. Ribeirão piscoso que serpenteava no fundo do vale... Dos túneis que escavavam no algodão que estava depositado na tulha... Da vez em que levou uma mordida da égua “bainha” na cabeça, quando estava ajudando amontoar o café no terreirão... De quando caiu de cara no monte de estrume, na tentativa de imobilizar uma vaca para o irmão fazer um curativo... Das idas à cidade com os pais para fazer compra e do dia que deixou definitivamente o sítio e foi pra cidade.
Depois de relembrar cada detalhe, busquei com o olhar o local em que nasci e pude ver que, além da moita de bambu e da amoreira, nada mais existia daquele meu mundo. O rio que serpenteava o fundo do vale virou um grande lago devido ao represamento do principal rio da bacia, a casa não existia mais, no que foi o enorme terreiro onde brincávamos, existia agora um pequeno bosque, na maioria, de arvores exóticas, onde outrora era o capão de mato e a área de cultivo virou pastagem, os sítios vizinhos desapareceram dando lugar a enormes fazendas, e aquele turbilhão de gente que vivia naquela área, hoje se resume a um senhor que cuida do rebanho. Daquela paisagem bucólica da minha infância, restaram apenas lembranças.
— Papai. Vamos pra casa?— Vamos filho. Vamos sim...